terça-feira, 3 de maio de 2011

Os desafios do sistema prisional brasileiro


"É imprescindível a divulgação e replicação de exemplos bem sucedidos de presídios que cumprem seu papel e recolocam socialmente os apenados, com valorização da educação e do trabalho"

Um dos temas que vemos recorrentemente como pauta acerca de Direitos Humanos são os presídios e o atual sistema prisional brasileiro, regulamentado há 25 anos, em 1986. A situação com que deparamos hoje é complexa e exige soluções integradas, ou seja, precisamos de propostas que unam esforços dos governos federal, estaduais e municipais. Para termos uma ideia do quadro que enfrentamos, nove estados brasileiros têm, atualmente, uma população de mais de 120 mil presidiários. 

Uma boa notícia com relação a esse cenário vem do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, com base nos dados do Infopen (Depen), segundo o qual, nos últimos quatro anos, o crescimento da população carcerária tem sofrido uma retração. Entre os anos 1995 e 2005, a população carcerária brasileira saltou de pouco mais de 148 mil presos para 361.402. Ou seja, um aumento significativo de 143,91% em uma década, com média anual oscilante entre 10 e 12%. A partir de 2005 – com padrões de indicadores e informatização do processo de coleta de informações  implantado – a taxa de crescimento anual caiu para cerca de 5 a 7% ao ano. Ao final de dezembro de 2005, tínhamos uma população carcerária de 361.402. Em 2009, o número subiu para 473.626. Isso representa um aumento de 31,05%.

A retração do crescimento do número de aprisionados, apontada pelo Depen, pode ser atribuída a alguns fatores. Entre eles está a expansão da aplicação, por parte do Poder Judiciário, de medidas e penas alternativas; a realização de mutirões carcerários pelo Conselho Nacional de Justiça; a melhoria no aparato preventivo das corporações policiais, e a melhoria das condições sociais da população. 

Apesar da redução da taxa anual de crescimento de encarceramento, a situação é grave. Temos quase meio milhão de adultos presos. A maioria deles tem o ensino fundamental incompleto e está presa em decorrência de crimes contra o patrimônio (como furto e roubo) e pelo envolvimento com o tráfico de drogas (são 106.491). O déficit do número de vagas é de 194.650. Isso representa, na prática, superlotação. 

Mas o que faz termos uma população carcerária tão grande? Alguns aspectos podem ser parte da justificativa. O nível atual de desenvolvimento do país cresce, mas não é acompanhado de políticas de segurança e de inclusão social, por exemplo. Os direitos individuais e coletivos garantidos na Constituição Federal não são direitos de fato para parte da população (daí a importância da prioridade do governo Dilma ser o combate à pobreza extrema). O acesso desequilibrado à educação de qualidade, à cultura, ao esporte, ao lazer, à saúde, aos benefícios da ciência e da tecnologia, à informação, aos meios de obtenção de renda adequada e ao consumo também compõem esse cenário. Não há investimentos suficientes em prevenção (investe-se mais em punição). O acesso à Justiça não é universalizado. Temos, também, os problemas de remuneração, carreira, equipamento e formação das polícias e corpos de agentes penitenciários estaduais. O sistema não integrado das polícias também faz parte do quadro que vivemos. 

Destaco, por fim, o sistema penal discriminatório que possuímos: ao invés de recuperar os presos, os ambientes reforçam a criminalidade. Práticas comuns de tortura e sevícias sexuais no sistema precisam ser extirpadas. O chamado código de conduta interno dos apenados não pode prevalecer sobre o papel do Estado na recuperação desses seres humanos.

Determinante, também, para que tenhamos meio milhão de presidiários é o fato de que 43,2% da população carcerária são presos provisórios, ou seja, não foram julgados. Penso, portanto, que um mutirão de julgamentos poderia cumprir papel decisivo tanto para a promoção da justiça quanto no combate à superlotação dos presídios.

É urgente a reformulação desse sistema. É imprescindível a divulgação e replicação de exemplos bem sucedidos de presídios que cumprem seu papel e recolocam socialmente os apenados, com valorização da educação e do trabalho. Defendo a construção, a ampliação e a reforma de estabelecimentos prisionais de forma criteriosa. Não podemos perder a ideia de que, ao punirmos pela privação da liberdade aqueles que cometem crimes, estamos visando à sua recuperação e sua reincorporação à sociedade. O cerceamento temporário da liberdade não é medida simplesmente punitiva.

A discussão do sistema carcerário brasileiro é muito ampla, o que torna impossível sua discussão em apenas um artigo. Vamos continuar estudando e pautando o tema porque fazê-lo é de extrema relevância para o país. A política prisional deve ser parte de uma política mais ampla de segurança cidadã, que prescreva medidas sociais, urbanísticas, judiciárias e econômicas preventivas e democráticas, fundadas no protagonismo do povo brasileiro e em seu desejo de paz e segurança. 

Quero, por fim, alertar para dois temas: jovens e mulheres. Os presídios femininos nos trazem diversos questionamentos e trago a seguir alguns. Como são os tratamentos relativos à saúde da mulher nos presídios? Como ficam os filhos dessas mulheres, enquanto elas estão vivendo no regime de cárcere? Como é a sua rotina quando chegam grávidas aos presídios? Qual tratamento têm as crianças que nascem nos presídios?

O outro tema, da juventude, agrava ainda mais o quadro do sistema prisional brasileiro. Deixo-o propositalmente para o final desse texto, porque precisamos de uma reflexão especial sobre isso: 48% da população carcerária do Brasil é formada por jovens. São 126.929 os presos entre 18 e 24 anos, e 111.288 entre 25 a 29 anos. Juntos, somam um total de 238.217 jovens presos. Como construiremos um futuro diferente para o nosso país, se aqueles que o protagonizarão estão encarcerados?

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